Mestre do sabor e senhor da cor, o malte é um dos quatro
ingredientes clássicos que tornam a cerveja única e especial. Da rainha cevada
aos outros cereais, a beleza do malte começa nos campos e termina na mais
apetecível cerveja.
O ano é 1989.
Em todo o mundo vivem-se tempos de mudança, próprios de uma década que
terminará com uma nova geopolítica global, maior abertura da economia e caminho
livre para os anos de ouro do entretenimento. É neste limbo intergeracional,
que antecipa uma década de cultura, diversão e autenticidade, que o cantor
Jorge Palma traz para a ribalta o malte, ingrediente do seu whisky que, reza a
canção,lhe está a saber mal.
(Mas já lá
vamos ao músico português).
O malte é um
dos três ingredientes partilhados entre o whisky e a cerveja – os outros dois
são a água e a levedura. Na cerveja, é no malte que está o segredo para muitas
das diferenças de sabor entre os vários estilos de cerveja, bem como a eclética
paleta de cores que encontramos neste universo: desde as loiras Pilsner ou Pale
Ale às mais escuras, como a Porter e Stout.
Dito de forma
simples, o malte não é mais do que os grãos de um cereal que foram sujeitos a
um processo de maltagem. De forma controlada, o processo deixa que os grãos
germinem até um certo ponto, sendo a germinação terminada abruptamente.
Se
fosse perguntado a um grupo de pessoas qual o cereal usado na cerveja, a
resposta quase unânime seria cevada. A afirmação, não sendo 100% correta, está
muito longe de estar errada. Embora não seja o único cereal usado, é de longe o
mais amplamente empregue. Eis alguns dos motivos que tornam este cereal o
preferido dos mestres cervejeiros:
A casca externa protege a cevada durante a maltagem;
É rico em enzimas diastáticas, que convertem o amido
em açúcares durante a brassagem (processo que coze uma mistura de grãos de malte
com a água). Aliás, o malte é tão rico nestas enzimas que consegue até
converter o amido de outros grãos;
O baixo teor de proteína aumenta a clareza da cerveja
e facilita a filtração do mosto;
Tem poucos lípidos, que podem afetar negativamente a
espuma na cerveja acabada.
SABIAS QUE
O Super Bock Group
criou uma malteria própria? Foi em 1992 que entrou em funcionamento a
Maltibérica, garantindo uma produção de malte nacional em qualidade e
quantidade, com custos de produção competitivos que lhe permitem abastecer não
só o Super Bock Group, mas também vender para o mercado nacional e até mesmo exportar.
Com a assinatura de contratos de compra com os produtores nacionais de cevada,
sublinha-se a aposta no potencial dos agricultores portugueses.
Além da cevada, cereais como o trigo, o
centeio ou a aveia também são usados para a produção de malte a incorporar na
cerveja. O malte de trigo é mais conhecido pelo seu uso
em cervejas alemãs do estilo Bavarian Weissbier ou Berliner Weisse. Já os
maltes de centeio ou de aveia têm ganhado relevo nas cervejas artesanais, sendo
apreciados pela textura cremosa que conferem.
Na
verdade, estes cereais não têm um poder diastático tão bom como a cevada, e por
isso são normalmente misturados com aquela que é considerada a rainha do malte.
Para
crescerem, e antes de lançarem raízes e de serem plantas capazes de fazer a
fotossíntese, o primeiro alimento destas plantas está contido no interior dos
grãos. São estes elementos que os mestres cervejeiros procuram para fazer as
suas cervejas.
O problema é que o interior do grão encontra-se muito
compactado, não permitindo que estes elementos sejam solúveis, o que
impossibilita o fabrico de cerveja. Então, o que pode ser feito? É aqui que
entra a maltagem, ou seja, são dadas condições para que os grãos germinem até
um certo ponto considerado ideal, interrompe-se a germinação nesse momento. O
processo de maltagem pode então ser resumido em três passos (embora alguns
tipos de malte, como o de caramelo, possam ter ligeiras alterações): infusão,
germinação e secagem.
Na infusão os grãos são imersos em água e
escoados alternadamente durante cerca de dois dias. Quando já se podem ver
algumas pequenas raízes a começar a despontar, passam para a sala de germinação. Aqui, os cereais são
arejados durante quatro a seis dias, e é durante este período que, por ação da
germinação, se vão quebrando os elos internos do grão e que o tornavam tão
rijo, permitindo que os seus elementos passem a ser solúveis. No fim desta
etapa, o “malte verde” tem entre 40% e 50% de humidade. Por fim, a germinação é
interrompida quando os grãos passam para a secagem.
Aqui são sujeitos a temperaturas entre os 80º e os 90º e chegam ao fim com 3% a
6% de humidade.
As diferenças
no processo de maltagem, como a quantidade e duração do calor recebido,
influenciam o malte e o tipo de cerveja que se vai produzir. Maltes menos
torrados dão origem a cervejas mais claras e pálidas (pale), enquanto maltes
mais torrados são usados em cervejas mais escuras. Conheça melhor as variedades de malte.
Maltes base
São os maltes
de tonalidade clara usados em maior quantidade na cerveja: entre 60% e 100%. A
parte que falta pode ser composta por maltes especiais ou cereais não maltados.
Estes maltes são aqueles que têm a melhor capacidade enzimática para
transformar o amido em açúcares fermentáveis. Mais tarde, esses açúcares
transformar-se-ão em álcool e CO2 por ação da levedura, na fase de fermentação
do mosto. Importa referir que, quanto mais torrados forem os maltes, menor será
a sua capacidade enzimática, uma vez que a torra destrói as enzimas. É por isso
que, mesmo em cervejas escuras, a maior parte do malte usado será destes maltes
base, complementados com outros mais torrados para definir a cor e sabor da
cerveja.
Mas,
afinal, quais são os maltes base? Há vários, desde o Pilsner, passando pelo
Pale Ale, malte de trigo, e, em algumas cervejas, até os maltes Viena (ligado
ao estilo Viena Lager) e Munique. Uma curiosidade sobre o malte Munique é que,
apesar de ter uma coloração mais escura, e ao contrário de outros maltes
torrados, o seu processo de maltagem permite que as enzimas conservem as suas
capacidades. É um malte de cor e aroma, desenvolvido naquela cidade da Baviera
em 1830. A primeira cerveja produzida com este malte foi a Märzen, em 1941.
Maltes torrados
O nome aqui é
autoexplicativo. São maltes torrados a altas temperaturas e que contribuem com
cores, sabores e aromas únicos nas cervejas onde são usados, desde caramelo,
biscoito, nozes, chocolate e café. Sendo torrados, a capacidade de transformar
o amido em açúcares mais pequenos é baixa.
Este maltes
são verdadeiros artistas plásticos, com tonalidades que podem ir desde o
dourado ao preto. Quando são usados em maiores quantidades, podem conferir
um amargor tostado à bebida, como
acontece nas Stout.
Podem
distinguir-se duas categorias de maltes torrados. A primeira é a dos maltes
verdes torrados, onde se inclui o malte
de caramelo, que usado com moderação dá à cerveja uma certa doçura e
contribuiu para a formação de espuma. Este malte é a imagem de marca das Amber
Ale e Red Ale americanas.
A segunda
categoria é a dos maltes secos torrados, como o malte castanho, o chocolate, o
preto ou o biscoito. O malte castanho pode ser encontrado em algumas ales britânicas, como a Stout, a Porter e a
Scotch Ale. O malte chocolate contribui com um sabor a café torrado nas cervejas Porter, Stout, Brown Ale,
Scotch Ale ou Dunkel. O malte preto (ou patent malt) caracteriza-se por um sabor forte a café e é possível senti-lo
nas Stout. O malte biscoito é
relativamente recente, com aromas e sabores a pão quente, biscoito e nozes,
sendo popular na produção de Brown Ales.
Maltes
aromáticos
Este maltes
especiais contribuem para sabores e aromas a malte na cerveja, devido à
exposição mais prolongada a temperaturas altas durante a secagem. Estão
relacionados com uma gama mais escura do malte Munique e são usados nas
cervejas Bock, Brown Ale ou Munich Dunkel.
Se o nosso
universo é infinito, o do malte não anda longe, com grande riqueza e variedade.
O malte está na base daquilo que torna uma cerveja especial e única. Algumas
delas podem até fazer lembrar… whisky, dado que os maltes fumados populares no
whisky são também usados nas Scotch Ale.
Se, como
Jorge Palma canta na música Frágil, o
whisky de malte lhe souber mal, existe sempre a cerveja. Com malte, de certeza.
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