Nem todas as cervejas de abadia são belgas. A La Trappe, por exemplo, é multicultural. Contamos-te a história toda. Quando, em 1880, um grupo de monges da abadia de Mont-des-Cats fugiu de França, temendo a mais que provável expulsão das ordens monásticas daquele país, foi recebido de braços abertos em Berkel-Enschot, no sul dos Países Baixos e bem perto da fronteira com a Bélgica.

Com a ajuda do industrial Caspar Houben, o grupo instalou-se na antiga residência do rei Willem II, constituída por três terrenos e um pequeno mosteiro em estado avançado de abandono. Os primeiros tempos foram complicados, sobretudo ao nível financeiro. Nesta fase, os monges sobreviveram à custa da boa vontade de quem os recebeu. Tudo mudou, porém, em 1884, quando o monge Dom Nivardus Schweykart, filho de um mestre cervejeiro de Munique, na Alemanha, (e eis que um quarto país entra nesta história) decidiu produzir cerveja para aumentar as receitas do mosteiro.

Inicialmente, os fundos arrecadados destinaram-se à reconstrução do mosteiro e pagamento da renda. À medida que a La Trappe ganhou renome na região e até na Europa, o pequeno negócio chegou a outros voos, e também a abadia de Koningshoeven voou na ambição e no património.

No início do século XX, a La Trappe tornou-se um negócio com alguma dimensão, sem nunca perder a autenticidade monástica. Em 1936, os monges embalavam 6 000 garrafas por hora, e nos anos 1960 a cervejeira expandiu a quantidade de estilos comercializados. Além da tradicional Blonde Ale, os monges alargaram o horizonte com o fabrico de estilos como Bock, que ainda mantêm (ver caixa), Pilsner e Dortmunder, sendo que estes últimos responderam aos novos gostos dos consumidores. A fábrica modernizou-se, mas nem isso retirou os monges do processo de fabrico da cerveja. Pelo contrário, o facto de poderem controlar toda a produção deu-lhes liberdade para experimentar novos estilos, muitos deles inéditos na cerveja trapista.

Nos anos 1970, os monges de Koningshoeven começaram a produzir estilos mais fortes. Primeiro, desenvolveram a La Trappe Dubbel, uma Dark Strong Ale com um teor alcoólico de 7%, e depois a La Trappe Trippel, com 8%. Já nos anos 1990 chegou a La Trappe Quadrupel, com 10% de ABV, e mais tarde a La Trappe Oak Aged, uma Quadruple envelhecida em barris de madeira com um teor alcoólico de 11%. Apesar de parecer que já tudo foi inventado na cultura cervejeira trapista, algo nos diz que a abadia de Koningshoeven não ficará por aqui no que toca à inovação.

Todas estas cervejas têm classificação especial de ATP (Trappist Authentic Product), selo que garante que a cerveja é produzida dentro dos muros da abadia ou na sua vizinhança. Dos 171 mosteiros trapistas existentes no mundo, apenas onze estão autorizados a dar às suas cervejas este selo de autenticidade, sendo a abadia de Koningshoeven uma delas.

Quase 150 anos após a primeira La Trappe ter sido produzida, os monges continuam a supervisionar todo o processo. E, tal como no século XIX, todos os estilos são produzidos com ingredientes naturais. O dinheiro arrecadado das vendas globais dos vários estilos produzidos nesta abadia destina-se às necessidades da comunidade monástica, à solidariedade no seio da ordem trapista e às obras de beneficência.

Quando estiveres a beber a tua La Trappe — podes encomendar a Dubble na Super Bock Store — ficas a saber que estarás não só a contribuir para o desenvolvimento da cultura cervejeira ancestral mas também para um mundo mais solidário. Brindamos a isso.