A Kentucky Common, uma das cervejas nativas dos Estados Unidos, floresceu numa época e numa cidade em que outras bebidas alcoólicas dominavam a produção e a tradição. Fica a saber como uma cerveja leve e refrescante entrou na história de uma grande cidade do sul americano.
Produzida a partir da segunda metade do século XIX na cidade de Louisville, a Kentucky Common, conhecida por vezes como Dark Cream Ale, surgiu de modo improvável no estado do Kentucky, no sul americano, terra do bourbon e de outras bebidas bem mais alcoólicas do que a cerveja.
Não sabemos qual teria sido o destino da Kentucky Common caso a 18.ª emenda à Constituição dos Estados Unidos, que proibia a distribuição e consumo de bebidas alcoólicas, ou Lei Seca, nunca tivesse sido aprovada. A assinatura do então presidente Woodrow Wilson ditou o fim antecipado da Kentucky Common que, àquela data (novembro de 1919), detinha uma quota de mercado de 75% em Louisville e arredores.
Em dezembro de 1933, após o fim da Lei Seca, a Kentucky Common não mais voltou aos saloons, cafés e restaurantes da cidade. Um período de obscuridade que, na verdade, se mantém até os dias de hoje.
Barata e simples de produzir
Há duas grandes razões para o sucesso da Kentucky Common. Em primeiro lugar, Louisville recebeu um grande afluxo de imigrantes europeus em meados do século XIX, o que provocou o natural aumento da procura por cerveja. Em segundo, e sendo Louisville uma cidade com temperaturas quentes no verão – e numa altura em que a eletricidade e a refrigeração ainda eram um sonho distante –, os produtores da Kentucky Common optaram por fermentar a cerveja a temperaturas mais altas.
Assim, a cerveja envelhecia apenas durante um curto período de tempo antes de ser consumida, para não se estragar. Entre a brassagem e a distribuição da cerveja podiam passar entre seis e oito dias. A cerveja era então colocada em barris bem fechados, que permitiam à Kentucky Common fermentar ativamente na adega dos saloons, antes de ser consumida.
Estes dois fatores foram essenciais para produzir uma cerveja barata e, assim, extremamente popular entre a classe operária que se reunia nos saloons da época, após as jornadas de trabalho. Alguns destes estabelecimentos, inclusive, apenas vendiam a marca Kentucky Common, algo extraordinário no sempre competitivo mercado norte-americano.
Quais as características da Kentucky Common?
A Kentucky Common é uma Amber Ale 100% americana. Tem semelhanças com a Kölsch, a Cream Ale e a California Common. É uma cerveja suave, com pouco teor alcoólico e que se bebe com facilidade.
Aroma: São perceptíveis o aroma a milho ou a malte doce e as notas de biscoito ou de caramelo tostado. O aroma do lúpulo é médio a moderadamente baixo, geralmente de caráter floral ou picante. Sem amargor.
No copo: É uma cerveja que pode ir da cor âmbar-laranja até ao castanho claro. Apesar de, por vezes, poder ter uma aparência turva, devido ao pouco tempo de armazenamento, é tradicionalmente uma cerveja límpida. A espuma, de cor branca a bege, não é duradoura.
Na boca: Corpo médio a médio-leve, com uma sensação na boca relativamente suave. A Kentucky Common é altamente carbonatada e pode ter uma textura cremosa. O teor alcoólico varia dos 4% aos 5,5%.
Sabor: Podes esperar uma cerveja com malte doce moderado e notas de caramelo, toffee, pão e biscoitos. Cerveja leve, com uma doçura semelhante à do milho. O amargor do lúpulo vai de baixo a médio, sem final de boca áspero. Pode apresentar um leve sabor frutado, mas é notório o equilíbrio do malte em toda a experiência gustativa. O final é seco.
Aprender com os mestres europeus
A chegada da eletricidade e da refrigeração a Louisville, na década de 1880, acelerou a produção da Kentucky Common. Agora, a cerveja podia ser armazenada para os meses de verão e os proprietários das cervejarias expandiram e abriram novas fábricas que permitiram melhorar a cerveja e criar um boom económico no mercado cervejeiro local. Já não era um nicho, mas sim um importante fator de riqueza de Louisville.
A pujança económica trouxe inovação à Kentucky Common. Naquela época, e como aconteceu um pouco por todos os Estados Unidos, a maioria dos mestres-cervejeiros tinha origem alemã e trazia novos conhecimentos para o fabrico da bebida. Foram estes imigrantes, e filhos de imigrantes, que estiveram na génese de organizações como a Master Brewers Association of America ou a American Society of Brewing Chemists, ambas ainda em atividade.
Kentucky Common: um sonho adiado
No início do século XX, as grandes cervejarias de Louisville eram reconhecidas pela sua excelência, sofisticação e inovação. A Lei Seca veio deitar abaixo o sonho americano desta geração de mestres-cervejeiros europeus e, após 1933, as cervejas Lager dominaram o mercado de Louisville e empurraram a Kentucky Common para a obscuridade.
Para a história fica uma das poucas cervejas criadas de raiz pelos mestres-cervejeiros norte-americanos e que utilizam unicamente matérias-primas locais. Durante quase cem anos, a Kentucky Common matou a sede aos habitantes de uma das maiores áreas metropolitanas dos Estados Unidos do século XIX e inícios do século XX.
Hoje é quase impossível encontrares esta cerveja tendencialmente escura, leve e na qual o doce do malte domina sabor e aroma. Uma cerveja refrescante e com um baixo teor de álcool, ideal para beber com os amigos, ao fim de semana, ou simplesmente no final de um mais um dia de trabalho. Quem sabe, um dia, um projeto cervejeiro não recupera este estilo de cerveja e torna-o acessível a mais pessoas. Gostarias de experimentar a Kentucky Common?
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